Pode um membro do conselho fiscal ser responsabilizado por dívidas contraídas e não honradas pela pessoa jurídica para a qual atua? Entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça ("STJ") é de que não, o que só deve ocorrer em situações excepcionais.
A conclusão decorre do julgamento do Recurso Especial nº 1.804.579/SP (DJe 04 de maio de 2021, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze), em que a Terceira Turma do STJ entendeu pela excepcionalidade de responsabilização de membro do conselho fiscal de uma sociedade cooperativa em decorrência de dívidas não honradas pela entidade com uma consumidora. Em 1ª instância, o referido conselheiro fiscal havia sido chamado a responder por força do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
Os magistrados fundamentaram sua decisão com base no Código Civil, segundo o qual a desconsideração da personalidade jurídica pressupõe demonstração de abuso de personalidade jurídica, verificado nos casos de desvio de finalidade ou confusão patrimonial (artigo 50). Em linguagem técnica, o Código Civil adota o que se convencionou chamar de "Teoria Maior".
A Terceira Turma do STJ discutiu ainda se a legislação consumerista seria aplicável ao caso por este envolver uma relação de consumo entre uma sociedade cooperativa habitacional e seu cliente. Em uma análise em abstrato, isso faria com que pudesse ser reconhecida a desconsideração da personalidade jurídica, na medida em que a existência de uma cooperativa sem patrimônio o suficiente para saldar a dívida representaria um obstáculo à satisfação do direito da cliente. Seguindo a lógica do Código de Defesa do Consumidor – “CDC” (artigo 28, §5º) não seria necessária a verificação de abuso, mas tão somente a existência de entrave ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores, o que constituiria a chamada "Teoria Menor".
Apesar disso, a Terceira Turma do STJ reconheceu que a aplicação da Teoria Menor não pode ser tão protetiva ao consumidor ao ponto de alcançar os bens de quem jamais teve função de gestão na sociedade. Cabe enfatizar que membros do conselho fiscal não são administradores, e sim, responsáveis por fiscalizar a atuação da administração e por verificar o cumprimento dos seus deveres legais e estatutários.
Com isso em mente, o tribunal concluiu que a desconsideração da personalidade jurídica apenas pode alcançar os bens de membros do conselho fiscal caso estes tenham, comprovadamente, agido com fraude ou abuso de direito, ou, ainda, tenham se beneficiado, de forma ilícita, em razão do cargo exercido.
Em outras palavras, a responsabilidade de membros do conselho fiscal apenas é possível caso seja comprovada fraude ou abuso de direito, elementos essenciais da Teoria Maior, uma vez que estes agentes, em regra, não participam da gestão da sociedade.
A decisão do STJ está em linha com o entendimento mais moderno em matéria de direito societário, segundo o qual as hipóteses de responsabilização de membros de órgãos sociais deve ser excepcional, o que inclusive foi consubstanciado na Lei da Liberdade Econômica. Nos exatos termos do art. 49-A do Código Civil, com redação dada por esta lei, não se pode esquecer que “a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos”.
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