No último mês de agosto, a Comissão de Valores Mobiliários - CVM divulgou o Parecer de Orientação CVM nº 41, esclarecendo questões relacionadas ao subtipo societário da Sociedade Anônima do Futebol - SAF[1], introduzido pela Lei nº 14.193/2021, e das matérias que estão sujeitas à regulação da autarquia.
De início, o Parecer explicita que as SAF não estão automaticamente abrangidas pelo âmbito de competência da autarquia, mas apenas no casos de (i) registro de companhia aberta ou (ii) registro das SAF como emissores de valores mobiliários para o financiamento das atividades por meio do acesso ao mercado de capitais, de acordo com as modalidades de captação disponíveis e ativos compatíveis.
Com relação às ações de emissão das SAF e suas possíveis classes, a CVM foi taxativa quanto ao entendimento de que as ações ordinárias Classe A (cf. art. 2º, §2º, inc. VII, da Lei das SAF)[2] não poderão ser admitidas a negociação em bolsa ou mercado de balcão, tendo em vista o seu caráter personalíssimo. Isso porque as ações ordinárias de Classe A são de titularidade exclusiva do clube ou da pessoa jurídica constituinte da SAF, não podendo ser detidas por qualquer outro participante/investidor da SAF.
No que se refere à estrutura acionária, dada a vedação da participação simultânea do acionista controlador em mais de uma SAF, de forma direta ou indireta, a CVM orientou pela conveniência da instituição de “sistemas internos de acompanhamento, incluindo exigências periódicas de declaração de conformidade pelos acionistas” da SAF, com o objetivo de fiscalizar e garantir o cumprimento ao disposto no art. 4º da Lei da SAF[3].
Já no que diz respeito às ofertas públicas de valores mobiliários, a CVM destaca que as SAF estarão sujeitas à regulação já aplicável a companhias abertas e demais emissores, principalmente pelas Resoluções CVM nº 80 e 160. Especialmente no que diz respeito à figura das debêntures-fut, restritas ao subtipo societário das SAF, a CVM entendeu que atualmente as SAF estão adequadas e autorizadas, desde 2022, à utilização desses ativos como meios de financiamento de suas atividades, sujeitas à regulamentação geral da matéria já prevista pela Resolução CVM nº 77.
Em termos específicos, o Parecer reconheceu a adequação das SAF à utilização de fundos de investimento (v.g. fundos de investimento em participação, imobiliário e em direitos creditórios) e outros meios de financiamento da atividade. Dentre eles, além dos fundos de investimento, a CVM também entendeu ser viável que as SAF se valham de operações de securitização de recebíveis, considerando “razoável esperar que sua utilização a partir da originação de créditos por parte das SAF seja mais comum e atraente ao público investidor”, mesmo que esta modalidade já seja uma prática do setor.
No que diz respeito à adequação dos produtos ofertados no mercado de valores mobiliários aos perfis de investidores (Suitability), a CVM frisou a necessidade da utilização da “linguagem serena e moderada” pelos profissionais distribuidores. Para além da análise do tipo de investidor, a autarquia se posicionou no sentido de orientar os profissionais sobre a vedação do uso de elementos passionais de torcida como informação nos esforços de distribuição, recomendando cautela redobrada no tópico.
Por fim, a CVM ainda esclareceu que não possui competência sobre atividades relacionadas às emissões de fan token e plataformas de apostas esportivas, pois tais atividades apresentam características formais de investimentos.
Sendo assim, o mercado de capitais se apresenta como ambiente propício para que as SAF explorem novas oportunidades para a captação de recursos para financiar suas atividades, antes não aplicáveis ao ecossistema do futebol, até a criação das SAF[4].
Nossa equipe se encontra à disposição para auxiliar em questões envolvendo as SAF, sua constituição, funcionamento e formas de financiamento.
[1] Lei n° 14.193/2021 – Art. 1º Constitui Sociedade Anônima do Futebol a companhia cuja atividade principal consiste na prática do futebol, feminino e masculino, em competição profissional, sujeita às regras específicas desta Lei e, subsidiariamente, às disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998. [2] Lei n° 14.193/2021 – Art. 2°, §2º, inc. VII - a Sociedade Anônima do Futebol emitirá obrigatoriamente ações ordinárias da classe A para subscrição exclusivamente pelo clube ou pessoa jurídica original que a constituiu.
[3] Lei n° 14.193/2021 – Art. 4º O acionista controlador da Sociedade Anônima do Futebol, individual ou integrante de acordo de controle, não poderá deter participação, direta ou indireta, em outra Sociedade Anônima do Futebol. Parágrafo único. O acionista que detiver 10% (dez por cento) ou mais do capital votante ou total da Sociedade Anônima do Futebol, sem a controlar, se participar do capital social de outra Sociedade Anônima do Futebol, não terá direito a voz nem a voto nas assembleias gerais, nem poderá participar da administração dessas companhias, diretamente ou por pessoa por ele indicada. [4] Um ano após a promulgação da Lei das SAF, um estudo conduzido pelo Senado mostrou que 24 clubes já haviam se utilizado do modelo para estruturação de projetos. Considerando o impacto do esporte no país, o movimento mostra o interesse dos clubes em aprimorar seus mecanismos de governança, através da criação das SAF, e uma tendência à maior exploração de operações de financiamento das SAF por meio do mercado de capitais.
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