Recentemente, ganharam espaço no noticiário os casos de artistas que negociaram por valores vultuosos os direitos econômicos sobre suas agendas de shows. As notícias despertaram curiosidade nos leitores: não seria demasiadamente arriscado adquirir direitos sobre eventos futuros e incertos? Sob o aspecto jurídico, não se trata de nenhuma novidade. No entanto, alguns cuidados devem ser observados ao se estruturar esse tipo de operação.
Em verdade, esta tipologia jurídica se encontra prevista em nosso Código Civil. Trata-se de um contrato aleatório, regido pelo seu art. 458, segundo o qual uma das partes se obriga a remunerar a outra em contrapartida a uma obrigação de fazer futura e incerta, sendo perfeitamente lícito. O termo alea, do latim, designa “sorte”, de modo que o negócio jurídico continua sendo válido ainda que o fato futuro seja passível de não ocorrência.
Os contratos aleatórios podem versar sobre coisas futuras em essência ou sobre eventos que possuem risco de não acontecer. É o caso de um cantor que se compromete a cantar em um festival de música ainda sem previsão de datas, ou o caso de um evento esportivo que ainda não tem autorização das entidades competentes para ocorrer. No que tange ao objeto do contrato, este pode compreender receitas futuras com bilheterias, receitas com publicidade, além de direitos de exploração de imagens e de transmissão.
Existem alguns cuidados que as partes devem tomar no que tange à celebração dos contratos futuros, sejam eles aleatórios ou não. Deve-se ter em mente o regramento, no contrato, das possibilidades (ou não) de rescisão motivada ou imotivada por qualquer uma das partes. No âmbito do segmento de mídia e entretenimento, é de suma importância ter cuidado na abrangência dos direitos que se pretende dispor nos negócios jurídicos.
À vista disso, nos casos envolvendo direitos da personalidade, como são a imagem, voz ou aparência, as partes precisam observar com cautela a legislação que regula esses direitos, tal como o Código Civil. Por exemplo, não se pode desconsiderar que os direitos da personalidade são irrenunciáveis e intransmissíveis, de modo que um artista não pode pactuar a cessão (i.e., transmissão definitiva) dos direitos sobre sua voz, obrigando-se a cantar sempre que solicitado pelo cessionário. A perpetuidade de tal obrigação tornaria o negócio naturalmente inválido.
Também merecem atenção os negócios envolvendo direitos autorais. De acordo com a Lei de Direitos Autorais, as cessões necessariamente se darão por escrito e, em se tratando de obras futuras, não podem superar o prazo de 5 anos. É particularmente importante que os contratos sejam cuidadosamente redigidos, posto que os negócios jurídicos que envolvem direitos autorais são interpretados restritivamente, nos termos do art. 4º da Lei de Direitos Autorais. Isso quer dizer, por exemplo, que um contrato deve destacar com clareza quais modalidades de exploração (i.e., transmissão simultânea, exibição, re-exibição) e meios de veiculação (i.e., TV aberta, fechada, vídeos sob demanda, plataformas de streaming etc.) estão abrangidos pelo negócio, sob pena de a exploração ser limitada.
A Lei de Direitos Autorais expressa ainda que é necessária autorização prévia e expressa por parte do autor para as tecnologias que ainda não foram inventadas, de modo que a usual expressão “este contrato abrange as tecnologias existentes hoje, ou que venham a ser inventadas no futuro” não atende ao disposto em lei. Em outros termos, a lei veda a utilização automática de direito autoral em novo meio tecnológico, não existente à data da celebração do contrato, sem que antes haja o consentimento expresso e específico do autor. Portanto, é necessário buscar mecanismos alternativos para que se possa dispor sobre o tema em contrato, preservando as bases negociais entre o autor e o adquirente do direito.
Por fim, os contratos futuros têm um profundo potencial de aproveitamento no ramo do entretenimento, haja vista que abre grandes possibilidades de negócios tanto para artistas quanto para organizadores de eventos. Contudo, a fim de conferir maior segurança jurídica, uma assessoria especializada é essencial para mapear os riscos envolvidos e auxiliar o empreendedor na tomada de decisões, assim como na negociação dos respectivos contratos envolvendo direitos autorais e direitos da personalidade.
Nosso escritório está à disposição para prestar maiores esclarecimentos sobre o tema e questões correlatas.
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